Ato do MP em apoio a Promotora Amélia Campelo(de branco ao centro, ao lado do Procurador Geral Dr. Eduardo Tavares), em julho de 2011.
Desde meados de maio deste ano, o município de Rio Largo atrai a
atenção da imprensa pelos indícios de corrupção e improbidade detectados
nos atos da prefeitura e da Câmara Municipal. Mas, as operações
policiais que, em 2012, já levaram à prisão o prefeito Antonio Lins de
Souza Filho, o Toninho Lins (afastado do PSB), e quase todos os
vereadores do município, poderiam ter ocorrido ainda em 2010 - antes da
transação apontada como irregular do terreno de 252 hectares - quando o
Gecoc (Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas do
Ministério Público) recebeu as primeiras denúncias de irregularidades
contra a administração municipal.
As investigações iniciais do Grupo, entretanto, acabaram sendo
arquivadas, após esbarrarem em um impasse interno com as promotoras de
Justiça que atuavam em Rio Largo à época: Maria José Alves da Silva,
Gilcele Dâmaso de Almeida Lima e Amélia Adriana Carvalho Campelo. Em uma
sindicância instaurada no início de 2011, pela Corregedoria-Geral do
Ministério Público de Alagoas (MPE), as três promotoras foram acusadas
de “obstaculizar” uma investigação do Gecoc – então coordenado pelo
promotor Alfredo Gaspar de Mendonça – contra o prefeito Toninho Lins,
por ato de improbidade administrativa, além de vazar informações para a
imprensa, impossibilitando, à época, a realização de operações
investigativas sigilosas.
A sindicância e outros três processos registrados na mesma
Corregedoria-Geral do MPE, dois deles originários do Conselho Nacional
do Ministério Público, colocam a promotora Amélia Campelo no centro da
polêmica na instituição. Além de dificultar as investigações do Gecoc,
Campelo – que atuou em Rio Largo durante cerca de dez anos – foi acusada
também de prestar tratamento diferenciado, mais rigoroso, à gestão da
ex-prefeita Vânia Paiva em comparação à do atual prefeito. A razão,
segundo as denúncias apuradas pela corregedoria, seria uma “relação de
amizade” mantida entre Amélia Campelo e Toninho Lins.
As acusações de omissão contra a promotora não são novas, mas corriam
sempre no âmbito da especulação em Rio Largo, se intensificando com a
retomada das investigações pelo Gecoc em 2012. O Tudo Na Hora
apurou e confirmou que as denúncias chegaram oficialmente não só à
Corregedoria-Geral do MPE, mas também ao Conselho Nacional do MP e à
Procuradoria-Geral de Justiça de Alagoas, que instaurou no ano passado
um inquérito administrativo, pela portaria nº 90/2011, a cujo resultado o
portal não teve acesso.
Já as duas sindicâncias instauradas pela corregedoria local, bem como
as duas reclamações disciplinares investigadas pelo Conselho Nacional
do MP, foram arquivadas, inocentando a promotora – no primeiro processo,
também as promotoras Maria José Alves e Gilcele Dâmaso – de todas as
denúncias, principalmente de dificultar as investigações do Gecoc no
município. Em julho de 2011, Amélia Campelo foi inclusive homenageada
por promotores e procuradores do MP, em um maciço ato de apoio à sua
atuação em Rio Largo.
Ainda sobre a situação administrativa e política do município, outras
fatos merecem atenção. No dia 03 de abril deste ano, por decisão do
Procurador-Geral de Justiça, Eduardo Tavares Mendes, Amélia Campelo
deixou a 2ª Promotoria de Justiça de Rio Largo, passando a responder, em
Maceió, pelo 1º Cargo da Promotoria de Justiça Coletiva da Infância e
da Juventude da Capital.
Menos de uma semana depois, o MP anunciou a volta do promotor Alfredo
Gaspar de Mendonça à coordenação do Gecoc – em março de 2011, após o
impasse em Rio Largo, ele havia pedido para deixar o cargo, alegando
“decisão pessoal”. No mês seguinte à nomeação, em maio deste ano, o
Grupo desencadeou a operação que prendeu o prefeito e vereadores do
município, acusados agora em mais uma denúncia: um esquema, montado após
as enchentes de 2010, para alienação irregular de um terreno de 252
hectares – o equivalente a mais de 300 campos oficiais de futebol
juntos.
Confira a seguir detalhes sobre o início, o arquivamento e o retorno
das investigações sobre a administração pública em Rio Largo e sobre as
denúncias realizadas contra a promotora de Justiça:
As primeiras denúncias e o PIC 01/2010
Grande parte das denúncias sobre irregularidades na administração de
Rio Largo – que, em 2012, abalaram o mundo político do município – já
eram conhecidas do MPE desde 2010. No final de abril daquele ano, o
Gecoc recebeu denúncias de dois moradores da cidade, envolvidos com o
Movimento Social de Combate à Corrupção (MSCC) [para preservar a segurança dos denunciantes, a reportagem não divulgará suas identidades].
Ambos compareceram à sede do Gecoc “aflitos quanto às suas vidas”,
conforme informações do próprio Grupo, pois teriam sido fisicamente
agredidos, “supostamente a mando do prefeito” Toninho Lins.
Novas denúncias envolvendo o prefeito de Rio Largo Toninho Lins
A partir daí, além de requisitar à Polícia Militar segurança
individualizada aos depoentes, o Gecoc instaurou o Procedimento
Investigativo Criminal (PIC) nº 01/2010, para apurar as informações. Com
base nos depoimentos dos denunciantes, o Gecoc formulou na 17ª Vara
Criminal de Maceió, no dia 11 de maio de 2010, um pedido de
interceptação de comunicações telefônicas entre membros da prefeitura de
Rio Largo. O pedido, deferido pela 17ª Vara, foi justificado nas
suspeitas de “crimes praticados em detrimento da administração pública
municipal, lavagem de dinheiro, crimes contra a fé pública, contra a paz
pública, dentre outros de igual relevância”.
O pedido das provas e o arquivamento do PIC 01/2010
Seis dias depois, em 17 de maio de 2010, as promotoras Maria José
Alves da Silva, Gilcele Dâmaso de Almeida Lima e Amélia Adriana Carvalho
Campelo – então responsáveis pelas promotorias de Rio Largo –
formularam requerimento ao procurador-geral de Justiça, Eduardo Tavares,
solicitando acesso imediato “a todo e qualquer elemento indiciário,
prova documental ou testemunhal a que tenham tido acesso os membros do
Gecoc”. As promotoras pediam a preservação do princípio do “promotor
natural” e garantiam o sigilo funcional dos documentos e a preservação
da integridade física de todos os denunciantes.
Em ofício do dia 10 de junho do mesmo ano, o Gecoc citou uma reunião
ocorrida “na segunda semana de maio”, no gabinete do procurador-geral,
com a presença das promotoras Amélia Campelo e Gilcele Dâmaso, na qual
foi explicada a necessidade de ingresso de ação cautelar para busca e
preservação de provas em Rio Largo. De acordo com o ofício, enquanto
Gilcele Dâmaso concordou com a proposta, a promotora Amélia Campelo
“irresignou-se com a versão dos fatos... afirmando, inclusive, não
acreditar no que lhe era repassado”. Para o Grupo, teria ocorrido
vazamento de informações sigilosas para a imprensa, impedindo a
realização de operações secretas.
Na mesma data, o Gecoc emitiu um parecer conclusivo, determinando o
arquivamento do PIC 01/2010, comunicando a decisão ao Conselho Superior
do MP e responsabilizando as três promotoras de Rio Largo por
“obstaculizar” a atuação do Grupo Especial no município. Também já
estava suspenso o monitoramento das ligações e mensagens telefônicas
entre membros da prefeitura. Em 16 de julho de 2010, o Procurador-Geral
de Justiça determinou o envio das provas e documentos apurados pelo
Gecoc para as três promotoras, determinando a continuidade das
investigações.
Em contato telefônico com o Tudo Na Hora, o promotor
Alfredo Gaspar de Mendonça, então coordenador do Grupo, disse que não
queria conceder entrevista nem entrar em detalhes sobre o assunto, mas
informou que o arquivamento do PIC 01/2010 foi interno, no âmbito do
Gecoc, pois não houve pedido de investigação da promotoria de Rio Largo.
A corregedoria e o princípio do “promotor natural”
Após o arquivamento interno do PIC 01/2010, os autos foram remetidos
ao Conselho Superior do MP, que homologou o arquivamento da
investigação, enviando cópia do processo à Corregedoria-Geral do MP
“para as providências cabíveis”. Ainda no Conselho, em voto de vista, o
então corregedor-geral do MP, procurador Antonio Arecippo Neto, havia
rejeitado o arquivamento das investigações em Rio Largo e defendido não
haver provas de impedimentos realizados pelas promotoras, mas registrou
que elas não poderiam participar de qualquer ação, “em face das
suspeitas lançadas pelo Gecoc, em especial à Dra. Amélia Adriana”.
Na corregedoria-geral, foi instaurada a sindicância 3/2011, contra as
três promotoras, que se declararam inocentes de todas as acusações. Na
decisão, datada de 25 de abril de 2011, a corregedoria informou que as
denúncias contra o prefeito Toninho Lins e a promotora Amélia Campelo
deixaram os membros do Conselho Superior “estupefatos”, mas que apesar
da gravidade das acusações, não havia provas que as sustentassem.
A corregedoria também decidiu que as promotoras não dificultaram as
ações do Gecoc, apenas cumpriram a Resolução 03/2006, do Colégio de
Procuradores de Justiça. No artigo 7º, a resolução determina que “a
atuação dos membros do Gecoc se dará em conjunto com o membro do
Ministério Público titular ou substituto de órgão de execução com
atribuição natural, com o expresso assentimento deste, preservado, em
qualquer caso, o princípio do Promotor Natural”. “Em verdade, é até
elogiável a atitude das sindicadas, na medida em que não se mostraram
omissas, se interessaram pelo conteúdo dos indícios já produzidos (...)
zelando pela manutenção do princípio do promotor natural e das suas
independências funcionais”, diz a decisão da sindicância, assinada pelo
atual corregedor-geral, Antiógenes Marques de Lira.
Para a Corregedoria-Geral, as promotoras também não vazaram
informações para a imprensa e, no caso da suposta suspeição da promotora
Amélia Campelo, o órgão afirmou que a acusação de “amizade” com o
prefeito tratou-se de “boato” e servia “muito mais para ofender a
reputação e o decoro da sindicada, do que propriamente afastá-la das
apurações contra Toninho Lins”. A corregedoria criticou ainda o
arquivamento do PIC 01/2010 pelo Conselho Superior do MP, que não teria
atribuição para fazê-lo, e desqualificou o comportamento de um dos
denunciantes, evidenciando se tratar de um desafeto do prefeito Toninho
Lins.
O Conselho Nacional e mais denúncias
Além da sindicância 03/2011, a promotora de Justiça Amélia Campelo
respondeu ainda à sindicância 04/2011, também na Corregedoria-Geral do
MP, instaurada após representação da sociedade civil Motta & Soares
Advocacia e Consultoria, da qual é sócio o atual secretário de Estado da
Educação, Adriano Soares. À época, a sociedade havia sido denunciada
pela promotora por realizar serviços advocatícios à prefeitura de Rio
Largo, na gestão da ex-prefeita Vânia Paiva, sem passar por licitação. A
empresa afirmou que o mesmo tipo de contrato estava em vigência na
gestão do prefeito Toninho Lins, com outro escritório de advogados, sem
nenhum questionamento da promotoria local.
Na representação, a sociedade Motta & Soares acusava Amélia
Campelo de violar os princípios da legalidade e impessoalidade e agir
com “complacência” em relação ao prefeito Toninho Lins, e até defender
os interesses dele, enquanto “perseguia” a antiga prefeita. Os sócios da
Motta & Soares formularam ainda uma reclamação disciplinar (nº
488/2011) junto ao Conselho Nacional do MP, narrando supostas omissões
da promotora na fiscalização da coisa pública em Rio Largo. Também no
Conselho Nacional do MP, uma quarta investigação foi aberta para apurar
uma denúncia contra Amélia Campelo, enviada via mensagem eletrônica por
um dos denunciantes citados pelo Gecoc.
No âmbito local, da mesma forma que a sindicância 03/2011, a 04/2011
também inocentou a promotora e foi arquivada pela Corregedoria-Geral do
MPE. Na decisão, o órgão ressalta que a ação movida pela promotora
contra a gestão de Vânia Paiva, nos anos de 2005, 2006 e 2007, só foi
autuada em 2010, devido à dificuldades de estrutura do MPE. “Há
situações que fogem à nossa alçada e que por vezes obstam o avanço
procedimental mais célere (...) Não há provas nos autos de ter o membro
do MPE agido comissiva ou omissivamente no exercício de seu mister”,
defendeu a corregedoria local em decisão datada de setembro de 2011.
As mesmas decisões foram adotadas nos processos instaurados no
Conselho Nacional do MP. Segundo o órgão, a Constituição brasileira
determina que a atuação correcional da Corregedoria Nacional do MP tem
“nítido caráter supletivo” e deve preservar a competência disciplinar e
correcional dos órgãos locais. Assim, foram seguidas as medidas de
arquivamento tomadas pelas correições locais.
A defesa da promotora Amélia Campelo
O Tudo Na Hora teve acesso também a documentos
protocolados na promotoria de Rio Largo nos anos de 2010 e 2011 e
recebidos pela promotora Amélia Campelo, que denunciavam supostas
irregularidades cometidas pelo prefeito Toninho Lins na administração do
município. Uma delas foi formulada em novembro de 2011 pelo vereador
Reinaldo Cavalcante (PP), que foi preso no mês passado, mas liberado em
seguida como réu colaborador, no caso do terreno desapropriado e vendido
de forma supostamente irregular pela prefeitura.
No documento, o vereador denuncia nomeações diretas ilegais,
realizadas pelo prefeito, de servidores comissionados em exercício para
varas judiciais e cartório eleitoral em Rio Largo. Denuncia também
suspeitas de fraudes em licitações no município, com "exagero" na
quantidade de materiais licitados, a exemplo de cinco toneladas de
clips, 125 mil unidades de borrachas e 50 mil folhas de papel stencil,
que normalmente já não são mais utilizadas nos almoxarifados. O mesmo
vereador, em setembro do ano passado, ajuizou ação popular para a
apuração dos fatos denunciados.
Por telefone, a promotora Amélia Campelo também evitou se prolongar nas respostas às perguntas feitas pelo Tudo Na Hora
e afirmou que as acusações contra ela são “assuntos encerrados”, já que
teria provado inocência em todas elas. A promotora negou omissão na
atuação em Rio Largo e destacou ainda que todas as suspeitas de
irregularidades que chegaram ao seu conhecimento foram investigadas.
“Eu instaurei seis inquéritos civis em Rio Largo [na gestão de
Toninho Lins], inclusive para apurar fraudes em licitações. Com relação
ao terreno, o assunto já estava em ação judicial e todos os documentos
que recolhi na prefeitura foram encaminhados à Justiça. Também não me
compete avaliar se o Gecoc está certo ou não quanto às novas acusações
sobre os atos da prefeitura. Já respondi o que tinha pra responder e
provei o que tinha que provar, só não quero que este assunto seja usado
para render ‘Ibope’”, disse Amélia Campelo.
Na defesa preliminar apresentada à Corregedoria-Geral na sindicância
03/2011, Amélia Adriana afirmou que “soa risível que uma solicitação
oficial dirigida ao Chefe da Instituição [MP] seja tomada como
obstaculização ao exercício funcional de uma unidade a ele vinculada”.
Quanto às demais acusações, a promotora transferiu o enfrentamento para o
campo do “ônus da prova”, negando qualquer complacência no tratamento
ao prefeito Toninho Lins.
Em um documento com quatro páginas de respostas a questionamentos
feitos diretamente pelo advogado Adriano Soares sobre o trabalho
realizado pelo MP em Rio Largo, de 19 de agosto de 2010, Amélia Campelo
ressaltou, entre outras informações, que “houve instauração de ato
formal de investigação através do Inquérito Civil Público, com vistas a
apurar a aplicação de todos os recursos públicos, além de todos os
procedimentos de licitação, todos os contratos de fornecimento de
produtos, os demonstrativos de todos os pagamentos, durante todo o
período da gestão atual do Sr. Prefeito Antônio Lins de Souza Filho.
Saliente-se, inclusive, investigação mais ampla do que a realizada na
gestão anterior”.
Depois de ser nomeada para uma promotoria na capital, no último mês
de abril, Amélia Adriana Campelo está em férias e deve retornar ao
trabalho em Maceió no próximo mês. Já afastada de Rio Largo, ela não
participou da operação realizada pelo Gecoc em maio. No dia 4 de junho
deste ano, a Justiça de Rio Largo, baseada na ação popular movida pelo
vereador Reinaldo Cavalcante, decretou a paralisação das obras no
terreno vendido pela prefeitura à iniciativa privada. O prefeito Toninho
Lins segue preso na Academia de Polícia Militar. Outros cinco
vereadores permanecem em presídios da capital.
Publicado pelo Tudo na Hora.
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